Início de Uma História - Suspensas

Marie terese sabia que, ao olhar para baixo, sua única reação seria a vertigem que já sentira tantas outras vezes. Mas, mesmo assim, tentou mais uma vez. Do alto da Igreja erguida em honra de Santa Terezinha, ela se sentia impotente, diante do céu imenso à sua frente. Marie se lembrava pouco de como tinha chegado ali, presa ao alto de uma das torres da igreja. Amarrada e vestida como uma freira. Em compensação, se lembrava de sua infância, passada na sacristia de uma igreja como aquela, em ricos detalhes. Se fechasse os olhos, e é como preferia estar naquele momento, podia ver o rosto do padre Antônio, sentir o cheiro de madeira na sacristia e até esquecer o vento forte no seu rosto. Ali, envolta em suas lembranças, sentindo vertigem, medo e impotência, Marie Therese adormeceu.

Os policiais só perceberam que se tratava de uma pessoa amarrada ao chegar lá em cima. Algumas pessoas viram algo errado e ligaram para a delegacia. Primeiro, parceria um boneco, alguma brincadeira sem graça. John pensou, ao chegar lá em cima e se deparar com a mulher vestida de freira, "pelo menos não está mutilada, irreconhecível, como a outra..". Quando os policiais que chegavam as igrejas perceberam que podia ser mais um crime relacionado à série de assassinatos que os jornais chamavam de "sacrifícios humanos", "crimes santos" e outras baboseiras, chamaram logo a divisão responsável pelo caso e consequentemente, John. As imagens de Joane, vestida de freira, com o rosto marcado por letras antigas, em carne viva, e o corpo também marcado e violentado, tudo isso ainda não tinha saído da mente de John, na verdade o atormentava dia e noite. E ele não conseguia mais dormir.

John foi chamado logo que encontraram a primeira vítima. Anne, uma mulher criada por padre como filha, na sacristia de uma igreja, tinha frequentado a casa das irmãs carmelitas, mas teria abandonado o hábito por se adaptar ao voto de silêncio e a clausura.  Voltará a viver na casa paroquial a apenas duas ou três semanas antes da sua morte. A segunda vítima era Joanne, também uma mulher que abandonou a vida de freira, mas sob a qual recai uma acusação considerada por muitos motivo suficiente para uma ida sem chance de retorno, ao inferno: Joanne teria se envolvido com o padre que a ajudará a fugir de uma pai violento na infância. Bem, segundo as más línguas, o envolvimento estava além do paternal, ou dos limites impostos aos padres pela igreja.

 

John não aceitava que alguém pudesse usar aquilo como motivo para mutilar uma mulher daquela forma. E ainda não havia conseguido entender a ligação da morte com as letras escritas em seu corpo e uma motivação “todo assassino tem um móbil”, lembrou John, Sempre. Seja qual for. Estava pensando há vários dias em para quem pedir ajuda. Já tinha alguns nomes e tinha feito algumas ligações, estava aguardando algum contato. John voltou rapidamente à realidade quando alguém gritou por ele: “Ei, inspetor, o senhor precisa ver isso aqui.”. Ele caminhou até a policial que o chamou, tentando se concentrar nesta nova moça. Carla, a policial que o gritava, mostrou, inquieta, ao inspetor alguns pedaços de pano, com coisas escritas, que estavam ao lado do corpo.  Os outros policiais não tinham visto. John percebeu na hora que podia ser algo importante e especial com aqueles panos, e com Carla também, já que fora a única que percebeu algo diferente do corpo. “Geralmente é só o que eles veem.”, pensou John, desanimado. Ele já havia visto milhares de corpos e sabia que a maioria das vezes uma posta verdadeira, que levasse a algum lugar, não estava no corpo, mas perto, em alguma distância, não muito longe,

Aquela mulher era tão jovem quanto as outras e John percebia como isso incomodava os policiais presentes. Ele olhou bem pra ela, tentando achar alguma semelhança com as outras mulheres. O semblante, algo que parecia que elas tinham dormido, apesar da dor, e até esquecido dela. Ele sabia que nas duas primeiras havia anestésico, um sonífero no sangue delas. Provavelmente nesta também. Os homens queriam tirá-la logo dali, desamarrar e cuidar do corpo. “Alguma piedade cristã…” John falou baixo. E logo ouviu ao seu lado: “É preciso, senhor…”. Ele nem percebeu que Carla estava ali, prestando atenção. John continuou olhando para aquele corpo, aquela moça. Era assim que ele trabalhava, tentando pensar por ela, ver onde ela estava, o que fez, com quem esteve. Nem sempre funcionava, ainda mais agora que ele já estava muito envolvido, até o último fio de cabelo. Pediu que tirassem ela de lá, mas sem mexer em mais nada. Ao mesmo tempo, chamou a policial que  encontrara os panos e pediu ajuda “Como é mesmo seu nome?”. "Carla, senhor”. “Ok, Carla, me ajude com essas pistas, será que encontramos algo mais?” “Não sei, senhor. Avaliei o espaço e parece que havia sangue por aí. Talvez possamos ver de onde ele trouxe o corpo.”. “Ele, Carla? Não podemos afirmar isso”, disse John, com um pequeno sorriso irônico nos lábios. “Sim, senhor…”. “Você é uma policial diferente deles. Esperta.” Carla sorriu também. Sabia de sua capacidade e estava esperando e buscando uma oportunidade. Ela chegará. “Sim, senhor, estou disposta a ajudar. Sei ver algumas coisas que os olhos não veem…”


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